Monteiro Lobato

"Um país se faz com homens e livros"


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Livro: Criança Feliz - Contos e Cantos

Dá o Pé, Louro!
Leo Cunha

Era uma vez um louro de alma triste, um louro com alma de corvo.
O leitor pode até rir, achar sem pé nem cabeça o jeito como começa a história desse bicho. Mas eu posso garantir que a história tem é e cabeça. Aliás, tem dois pés, como o louro. E também muita cabeça.
Voltemos para o começo: era um louro de alma triste, louro com alma de corvo.

Antes que eu me esqueça, adivinha qual era o nome do louro-corvo? Só podia ser Pelé. Esta, meu caro leitor e minha cara leitora, é a história verdadeira de um louro chamado Pelé, o único louro do mundo que não gostava de dar o pé.
Desde pequenininho, o louro da nossa história ouvia o povo pedindo:
― Dá o pé, louro!

― Dá o pé!
― Pelé, dá aqui o seu pé!
Nem dormir ele podia, que até no sonho alguém pedia:
― Dá o pé, louro!
― Ô, lourinho, como é?
― Dá logo esse pé!
Toda hora, todo dia, todo mundo pegando em seu pé.
O leitor pode pensar: mas que louro esquisito esse Pelé. A leitora pode estranhar: pra que criar tanto caso? E sabe que eu quase concordo? O que custava dar o pé?
É que o Pelé tinha um segredo. Seu desejo verdadeiro era ter nascido negro, todo escuro feito um corvo.
Mas sempre que ele ousava falar sobre esse desejo, os outros faziam careta:
― Corvo é bicho triste!
― Bicho pior não existe!
Todos diziam pra ele que o corvo traz a morte, traz a pena, trava a porta, a vida de todos entorta, etcétera e mais.
Já o louro era o contrário. Só recebia elogios:
― Esse é um bicho de ouro!
― Que ave de bom agouro!
Todos repetiam que os louros trazem sempre a boa sorte e afastam os maus espíritos. Assim como os papagaios fabricados de papel.
Lá no oriente, do outro lado do mundo, uma pipa com apito assusta até mesmo a morte. E os alquimistas deixam em cima da porta um papagaio colorido, papagaio de empinar, para atrair os bons fluidos.
Pra resumir a conversa, ser louro é sempre um sucesso, ser corvo é pior que sucata.
Depois de ouvir isso tudo, o Pelé deixou guardado, bem escondido, o seu sonho antigo: largar a mão de ser louro e nunca mais dar o pé.
E foi vivendo assim, foi vivendo nesse pé, triste com sua sina. Até que um belo dia (ou melhor, um dia escuro, muitíssimo nublado, pra combinar com a história), o Pelé criou coragem.
Lembrou-se de um corvo famoso, um corvo americano que dizia:
― Nevermore!
(“Nevermore”, em língua inglesa, quer dizer “nunca mais”. Nunquinha, mas nunca mesmo, o corvo famoso repetia.)
Quando ouviu a gritaria, “Dá o pé, louro, dá o pé”, tudo aquilo que o coitado já sabia até de cor, Pelé tomou coragem e gritou:
― Nevermore! Agora não dá mais pé!
E, depressa, ele deu no pé. Saiu voando meio torto, meio louro, quase corvo, atrás de outro destino. E sabe o que descobriu?
Que o corvo também pode ser sinônimo de sorte. Povos do sul e do norte, África e do Japão, chamam o corvo de profeta, herói, guia, mensageiro.
Se o leitor abrir a janela, pode ver bem lá no alto um louro chamado Pelé. Ali, no meio dos corvos, parece até um patinho feio, mas está bem satisfeito. E nunca mais vai dar o pé.

Bem que eu gostaria de saber o que você achou desse “louro”, que queria ser “corvo”! Embora divertida, essa história pode parecer bobagem do escritor. Mas, na verdade, as aventuras e desventuras desse “louro” (que desejava ser diferente daquilo que queriam que ele fosse) nos falam, de maneira simbólica (procure saber o que é isso), daquilo que cada um de nós deve fazer para se realizar na vida: ser fiel à sua vocação interior, ao seu desejo maior de realização humana. Tal como o louro não queria “dar o pé” e desejava o destino de viver nas alturas, como o corvo ( e conseguiu!), cada um precisa descobrir o que deseja ser na vida... e esforçar-se, vencendo os obstáculos (que sempre existem) até conquistar o seu sonhado destino. Releia o conto e redescubra o “louro” como exemplo do grande lutador.



Desenhos representando o texto acima.


Atividade proposta com intuito de expor e despertar sentimentos e ideais (sonhos).

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